Uma questão social

Uma questão social

É no mínimo intrigante (ou deveria ser) termos uma data instituída para “combate”, “contra”, “eliminação” de algo. Sinal de que a existência “deste algo” é real, ainda que muitas vezes possa ser velada. Hoje, 21 de março, é Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial. A ONU instituiu a data em memória ao ocorrido em Shaperville, um bairro na África do Sul, onde o exército local atirou em manifestantes que protestavam pacificamente contra a lei do passe – sendo 189 feridos e 69 vítimas fatais. Isso aconteceu em 1960.

É essencial trazer um breve contexto histórico sobre raça para a cultura ocidental, antes de falarmos sobre racismo.

A busca por categorizar e delinear a essência e identidade da humanidade teve origem nas expedições e "descobertas" do século XV, quando ocorreram os primeiros contatos entre a civilização europeia e os povos indígenas das Américas, os africanos e os asiáticos. Ou seja, durante o processo de colonização. Desde então, a classificação da diversidade humana tem sido moldada por uma hierarquia, geralmente fundamentada em supostas superioridades biológicas ou culturais associadas à civilização branca europeia. Um olhar de fora, um olhar para o outro.

O racismo é a manifestação de uma hierarquia racial, um sistema que estabelece e perpetua a opressão como um componente central das estruturas sociais, promovendo o domínio e a influência de uma raça sobre as demais. Ao criar uma classificação hierárquica entre os grupos raciais, esse sistema confere vantagens políticas, econômicas, sociais e simbólicas a determinados grupos, em detrimento dos demais.

É fundamental nos basearmos em dados para precisão e identificação de tendências e padrões e há tantos estudos, pesquisas e relatórios que escancaram o racismo em nossa sociedade. Vejamos apenas 3 itens do último estudo do IBGE sobre as desigualdades sociais em nosso país:

1 – Mercado de trabalho e distribuição de renda: 56% da população se identifica como parda ou preta, e dessas, 71% vivem na pobreza; já entre os brancos, apenas 18,6% estão nessa situação. Nos cargos de gerência, 69% são ocupados por brancos e apenas 29,5% por negros

2 – Condições de moradia e patrimônio: a maioria dos proprietários de grandes estabelecimentos agropecuários é representada pela população branca, 79.1% e apenas 19% são pretos e pardos

3 – Violência: A porcentagem de homicídios envolvendo homens é de 21,2% entre brancos, 41,4% entre pretos e 64,3% entre pardos

Este estudo (e tantos outros se buscarmos ampliar nosso conhecimento a respeito) ressalta que o racismo é um problema atual e não apenas um legado histórico. É uma questão social e não somente das pessoas negras.

Quantas vezes ouvimos que não existe racismo no Brasil por conta da miscigenação ou que estamos longe da segregação racial que ainda existe nos EUA?

Para desconstruirmos o racismo um dos primeiros passos é tornar todas as relações raciais visíveis. A nossa sociedade é diversa e é a partir deste reconhecimento que juntos construiremos uma nova consciência. Para isso, é importante que as pessoas brancas percebam sua própria identidade racial.

Quando falamos de branquitude e negritude a ideia não é criar um abismo. Pelo contrário, é criar vínculos genuínos entre grupos raciais diversos. É percepção de si para a percepção do outro. É reconhecimento de privilégios e a falta deles. Se tornar crítico para ação consciente conjunta.

Abordar a herança da escravidão, que tem sido transmitida ao longo do tempo, mas muitas vezes silenciada, pode ajudar as novas gerações a reconhecer o legado que influencia suas vidas atualmente. Ao debater e resolver questões do passado, podemos então construir uma narrativa alternativa e progredir em direção a novos acordos como civilização.

Evitar o confronto com questões raciais em uma sociedade caracterizada por desigualdades diminui nossa habilidade de formar conexões genuínas entre diferentes grupos raciais. Esse comportamento contribui para a perpetuação do racismo. É crucial que assumamos um papel ativo na transformação desse sistema, pois ele impacta a todos nós.

Do meu lugar social, como uma mulher branca do subúrbio do Rio de Janeiro, tenho buscado aprender mais, conhecer novas histórias, questionar intencionalmente, educar meus filhos para a diversidade & inclusão, perceber meus próprios vieses, reconhecer privilégios e contribuir para uma nova consciência coletiva. E você? Que atitude tomará hoje para ajudar a construir uma sociedade sem discriminação?

Artigo mar. 2024 - Fabiana Cardoso M. de Jesus é palestrante e educadora na Mais Saber Educação.

 

Referências bibliográficas:

BENTO, Cida. O pacto da branquitude. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, v. 2, f. 57, 2022.

DIANGELO, Robin. Fragilidade Branca. Eco-Pós UFRJ, v. 21, n. 3, p. 35-57, 20 Dez. 2018. Disponível em: 

https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/22528

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. IBGE. Rio de Janeiro, 2022. 35 p. Disponível em: 

https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101972

RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o "encardido", o "branco e o "branquíssimo": Raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. São Paulo, 2012 Tese (PSICOLOGIA) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-21052012-154521/publico/schucman_corrigida.pdf

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