Mulheres são de ouro

Mulheres são de ouro

 

Somos a maioria de acordo com o relatório atual do IBGE, isto é, representamos 51,5% da população brasileira. E de acordo com o Censo do Ensino Superior de 2021, as mulheres também têm um nível de instrução mais alto do que os homens, correspondendo a 58,7% dos ingressantes e 61% dos concluintes no país.

Quisera que esses percentuais pudessem mostrar muitos benefícios para todos, mas a sub representatividade continua escancarando a desigualdade de gênero em todos os âmbitos da sociedade:

Política: a nível global as mulheres ocupam apenas 26.9% dos assentos parlamentares e no Brasil apenas 14.8%, a segunda pior representatividade do G20;

Eleição: Nas eleições de 2022, apenas 3,3% das 8.852 candidatas foram eleitas, totalizando 293 mulheres;

Cargos de direção: as mulheres ocupam 40,1% dos cargos de direção entre as pessoas com 25 anos ou mais de idade;

Trabalho reprodutivo: as mulheres (a partir de 14 anos) dedicam em média 21,3 horas por semana ao trabalho doméstico e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens gastam 11,7 horas. Pasmem com a diferença;

Esporte: No ano de 2022, o programa Bolsa Atleta, do Ministério do Esporte, distribuiu 8.293 bolsas, sendo que 3.669 (44,2%) foram destinadas a mulheres;

Violência: Em 77,2% dos casos de violência contra mulheres, os agressores são homens, e a maioria ocorreu na residência. Em 2022, foram registrados 67.626 casos de estupro. Isso significa cerca de um estupro a cada 8 minutos no Brasil!

O relatório global Women@Work 2024 da Deloitte também nos traz informações interessantes sobre o mundo corporativo. Este trabalho considerou 5000 participantes de 10 países diferentes:

- Metade das mulheres entrevistadas descrevem seus níveis de estresse como mais elevados do que há 1 ano;

- 2/3 dessas mulheres não se sentem confortáveis em discutir saúde mental no trabalho ou divulgar saúde mental como motivo de folga. A cultura do local de trabalho pode influenciar, mas não é o único motivo: muitas mulheres temem discriminação ou demissão, e 1 em cada 10 já teve experiências negativas ao falar sobre saúde mental no trabalho;

- Mais de 40% das mulheres com dor intensa durante a menstruação continuam trabalhando sem tirar licença. Além disso, 39% das que sentem desconforto por causa da menopausa fazem o mesmo. Aqui não tem como não lembrar daquele experimento que circulou na internet – faz um tempinho já - com homens conectados a aparelhos que simulavam dores de parto;

- Mulheres com problemas de fertilidade, como dificuldade para engravidar, gravidez de risco ou aborto espontâneo, relatam tendências parecidas: 3 em cada 10 não tiraram folga apesar de sentir dor intensa, e quase 2 em cada 10 tiraram folga sem revelar o motivo. Muitas temem que falar sobre isso possa prejudicar suas carreiras.

Abrirei um parêntese aqui para compartilhar uma experiência pessoal: tive dificuldades para engravidar e depois do primeiro filhote, sempre soube que gostaria de ter pelo menos mais 1. Foram algumas tentativas em silêncio, mas talvez uma das mais intensas tenha sido a que estava em um treinamento de media training, para saber lidar com abordagens de jornalistas e sofri um aborto instantâneo durante o treinamento. “EU” escolhi ficar até o final. Estava grata por receber tal treinamento que era pago para poucos. Não queria “decepcionar” quem me escolheu para estar ali. Por respeito também aos colegas que estavam na sala comigo. Morri por dentro alguns minutos no banheiro e me recompus para a segunda parte. Que por ironia do destino, fui “escolhida” para a última prática do dia, uma entrevista com câmera, microfone e jornalista, na frente de todos. Ninguém sabia das minhas tentativas, da fertilização in vitro e muito menos do aborto. Talvez alguns saibam agora, ao ler este artigo. Compartilho não para vitimismo ou culpar alguém ou algo; de modo algum, só mesmo para conscientização da empatia, das batalhas invisíveis que todos nós travamos na estrada da vida…

Fico reflexiva com o meu próprio exemplo…eu que trabalhava em uma empresa que comparativamente a muitas outras trazia muitos progressos na pauta de Diversidade, Equidade e Inclusão, com pessoas que me inspiravam, ainda sofri em silêncio nesta situação (mesmo que por escolha própria!), imagino outras mulheres em ambientes diferentes, culturas etc. De fato, o mercado de trabalho, a estrutura social de forma geral, tem ainda muito a evoluir…

O Dia Internacional da Igualdade Feminina, promove a igualdade de gênero e os direitos das mulheres em áreas como política, economia, educação e saúde. É uma data para refletir sobre os avanços e os desafios que ainda existem.

Se pegarmos as Olimpíadas como outro exemplo, apenas na segunda edição, em 1900, tivemos participação das mulheres: no total de 997 atletas, 22 mulheres ou seja 2.2% de representatividade. Só em 2012, todos os países integrantes tiveram uma participante mulher em suas delegações e este ano de 2024, todas as 32 modalidades olímpicas têm paridade de gênero, com 5.250 vagas destinadas a cada sexo.

Sabemos que continua não sendo fácil para as mulheres no esporte: o caso da velocista brasileira Flavia ficou conhecido porque o marido utilizava suas viagens internacionais para preparação das olimpíadas como “abandono materno” no processo de divórcio. Imagina se o contrário virasse moda? Além disso, infelizmente há ainda comentários sobre o “cabelo” da Simone Biles durante as apresentações e discursos de ódios relacionados à identidade de gênero da boxeadora Imane Khelif, quando o desempenho e o talento deveriam ser os únicos tópicos discutidos sobre as atletas.

Aqui no Brasil, as únicas 3 medalhas de ouro conquistadas são frutos da capacidade e do poder das mulheres…que certamente abdicaram e abdicam de tantas coisas para este feito!

De acordo com o Relatório Global sobre a Lacuna de Gênero 2024, do Fórum Econômico Mundial, levaremos cerca de 134 anos ou cinco gerações para alcançar a paridade de gênero no mundo. O Brasil ocupa a posição 70 de 146 países. Para o empoderamento político e a participação e oportunidade econômica há um grande espaço para ser debatido e trabalhado.

Um dia desses li o comentário de um internauta dizendo que a Rebecca já estava se “achando” muito por compartilhar vídeos de dancinha e que ia deixar de segui-la. E ela não deve celebrar, ficar feliz, se sentir realizada? Ela pode postar o que ela quiser! Aliás, a celebração de cada conquista deve ser lenta, demorada, assim como o progresso de todas as mulheres que só podem ser de ouro mesmo, dentro desse amplo contexto social…

Escrito por: Fabiana Cardoso Marcellino de Jesus - Agosto 2024

Referências Bibliográficas:

https://www.g20.org/pt-br/noticias/relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher-retrata-a-situacao-das-brasileiras-a-partir-de-indicadores

https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2024/abril/relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher-volta-a-ser-publicado-apos-quatro-anos/MMulheres_RASEAM_2024.pdf

https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/?utm_source=ibge&utm_medium=home&utm_campaign=portal

https://www.weforum.org/press/2024/06/parity-for-women-remains-five-generations-away-but-historical-election-year-offers-hope/

https://www3.weforum.org/docs/WEF_GGGR_2024.pdf

https://www.ipu.org/resources/publications/reports/2024-03/women-in-parliament-2023

https://oglobo.globo.com/mundo/g20-no-brasil/noticia/2024/04/09/representatividade-de-mulheres-no-parlamento-brasileiro-e-a-segunda-menor-do-g20-indica-ibge.ghtml

https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2022/apresentacao_censo_da_educacao_superior_2022.pdf

https://www.rfi.fr/br/esportes/20240803-discurso-de-%C3%B3dio-nas-redes-sociais-contra-boxeadoras-%C3%A9-inaceit%C3%A1vel-diz-presidente-do-coi